blogue de carla hilário de almeida quevedo bombainteligente@gmail.com

sexta-feira, outubro 31, 2003

Sobre o insulto e a liberdade de expressão

Gosto muito, muito da blogosfera. Todos os que lêem o bomba e aqueles que me conhecem sabem disso. Ora na blogosfera há de tudo: palermas, invejosos, imaturos, engraçadinhos, bons escritores, gente de bem, um génio, pessoas educadas, gente civilizada e muitos, imensos selvagens. Por mim, tudo bem. Pois é a vida ela mesma. Quando me passeio alegremente por aí, leio muitas vezes insultos dirigidos a mim (completamente gratuitos uma vez que não actuo contra nenhum blogue e raramente reajo a essas palavras infelizes). Curioso, penso. Mas a liberdade de expressão vale isto e muito mais. E vale que eu responda sempre que queira, com a mesma intensidade ou com ainda mais violência se assim entender. Porque essa liberdade é de todos. E é minha também.

Entendo a liberdade de expressão também como uma espécie de "quem vai à guerra dá e leva". Se me insultam e respondo, não têm de haver ganidos de dor e de lamento por isso. Quando me insultam, a situação torna-se irreversível e isso é muito bom. Equilibra a balança. Torna-nos mais saudáveis, mais disponíveis para as pessoas de quem gostamos e que nos querem bem. É quase um processo catártico fundamental nas relações de afecto, sejam elas meramente blogosféricas (anónimas) ou de amizade profunda. E não tem mal nenhum que assim seja.

Se não houvesse liberdade de expressão, talvez conhecêssemos menos as pessoas. Assim, conhecêmo-las um bocadinho melhor. E sobretudo mais depressa.

quinta-feira, outubro 30, 2003

Às 23 pessoas que me ofereceram exemplares do Tratado Lógico-Filosófico (um exemplar cada), quero agradecer a gentileza e dizer que já consegui arranjar uns minutos para ir até à livraria da Gulbenkian comprar o livro. Devolvo, por isso, os exemplares oferecidos. Muito obrigada. Estão no porteiro.
Hoje durante o dia recebi dezenas de mensagens a reclamar: "Charlotte, o que te aconteceu?" ou "Charlotte, porquê responder a pessoas que não merecem?" ou ainda num registo mais engraçado: "Charlotte, foste branda. És sempre demasiado branda." Bom. Fiquei a pensar nisto, pois está claro. E concluí o seguinte: quanto mais feliz e mais livre sou (andam ambos os adjectivos de mãozinha dada), mais incontrolável me torno. Which is nice.
Chegou a altura de pormos a fasquia nos seis metros e dez. Bem-vindo João Pereira Coutinho!

quarta-feira, outubro 29, 2003

Hoje estou particularmente bem disposta (sem nenhuma ironia o afirmo). É por essa razão que dedico agora algumas palavras ao blogue Vareta Funda, que meteu a pata na poça.

O Belo Menir demonstra no seu último post, Requiem para o MEU Pipi, uma incapacidade de gozar as coisas boas da vida enquanto existem, como aliás a maioria dos Portugueses. Trata-se de um exemplo clássico de uma espécie de mesquinhez lusitana do "bom mesmo era dantes". É falso que os primeiros textos do Pipi sejam melhores do que os últimos. Mais: os textos inéditos que estão no livro do Pipi são os melhores de sempre, o que augura a uma produção ainda com mais qualidade por parte do autor. A mesquinhez (repito) e a falta de generosidade (uma redundância) do post do Belo Menir é típica do português aflito com a possibilidade de que os outros não só são muito melhores do que ele (português), como, ainda por cima, podem melhorar: uma ideia impossível de suportar.

Vejamos o que diz o Belo Menir: “Não foi pela publicação, que mais público não podia ser o Pipi. Estava disponível, 24 horas por dia, para todos. Não foi pela exposição suplementar, porque um blog chega muito mais longe do que um livro. Terá sido apenas pelo prestígio de ter um livro editado? Pelo dinheiro?” Mas afinal qual é problema? Desde quando é que um blogue pertence ao mesmo universo dos livros? E qual é o problema de o autor querer fazer dinheiro com o que escreve? O mal só pode estar numa espécie de pessoa medíocre, para quem é intolerável o sucesso dos outros.

Em relação a isto, preciso de dizer que o problema do anonimato do Pipi é este: se o Pipi for o vizinho do lado, um gajo normal, um tipo de quem nunca ninguém ouviu falar, só essa suspeita é suficiente para atiçar a inveja colectiva. E é esse o grande medo das pessoas que escrevem este tipo de posts. Quanto à identidade do autor, de quem tanto se tem falado com tantas certezas, seja em que direcção for, só vos posso dizer que apenas o autor poderá dizer como se chama. Mais ninguém. Provavelmente, isso nunca acontecerá.

O facto de o pronome estar todo em maiúsculas no título do post do Belo Menir revela que o autor acha que o Pipi é dele (o que dito assim é, no mínimo, patético) e que a criação do próprio blogue Vareta Funda se deve à existência do Pipi. São ambas atitudes de uma avareza insuportável. O Belo Menir diz que está saudoso de um Pipi que dedicava a sua vida ao blogue e aos outros. Só por isso dedico ao Belo Menir um sólido getalife! Está na altura de procurar outra musa... Não. Tenha calma. O Pipi voltará e o Vareta Funda poderá continuar a respirar.

Finalmente, um comentário sobre a seguinte frase insultuosa: “Uma senhora viu nos textos do Pipi uma oportunidade editorial e seduziu-o.” Parece-me uma frase proferida de má-fé. O que acha que ando a fazer? A aliciar blogueadores para proveito próprio? A seduzi-los? Não lhe passa pela cabeça que a minha admiração por esse blogue me levou a fazer o que fiz? Que me levou a fazer todos os possíveis para que mais pessoas desfrutassem do humor e da inteligência dos textos do Pipi? Uma coisa é certa: na blogosfera acontece o que aconteceu sempre. Há medíocres, há miseráveis, há invejosos e esses também têm os seus blogues.

terça-feira, outubro 28, 2003

A não perder: a entrevista do João Pereira Coutinho ao Homem a Dias dois dias antes da inauguração do site mais esperado da blogosfera... ou da Internet... toda!

segunda-feira, outubro 27, 2003

Tiago, também gostei desse momento. Todas as pessoas a quem mostrei a cassete (3) sorriram com a minha atitude quase infantil (que aliás julgo ter mantido durante a entrevista). É que bomba inteligente a apresentar um livro chamado O Meu Pipi num programa de nome Cabaret da Coxa pareceu-me demasiado!

Outro momento interessante do programa ocorreu antes da minha intervenção, na sala de espera do estúdio. Estou com o livro na mão. Folheio-o e sorrio. Marco o pastiche da última ceia. Um rapaz ao meu lado arranja coragem e mete conversa: "Esse livro é só para raparigas?" Está bem visto.
A Rata Maluka fez-me em tempos uma pergunta a que não tive tempo de responder: qual é o étimo do vocábulo amante? Parece-me que a coisa se explica assim: o verbo amar em latim, tem amans, amantis como pretérito presente na voz activa e cujo significado é aquele que ama (falta-me aqui qualquer coisa que me esqueci). Pois foi a partir desta forma que surgiram em português substantivos como presidente, estudante etc. que não têm outra forma senão essa mesma (nada de dizer estudanta e presidenta! Aaaaargh!). Latinista, please correct me if I'm wrong!
O Nuno Mota Pinto pediu-me que interviesse numa questão linguística da maior importância: "O senhor Schwarzenneger foi eleito governador da Califórnia através de um processo denominado recall, ou seja, a possibilidade de, a todo o tempo durante um mandato e reunido um número pré-determinado de assinaturas, os eleitores poderem destituir o seu Governador. Isto acontece num estado em que os eleitores são consultados inúmeras vezes para obrigar o Governo a novas despesas (sociais, de investimento, etc.), o que normalmente fazem, ou a autorizarem novos impostos, o que normalmente rejeitam. É o sítio do mundo em que a democracia directa foi levada até ao maior extremo. (...) Neste contexto, um artigo recente do Washington Post faz uma proposta linguística sobre a qual queria consultá-la. O autor refere, a certo ponto, que uma vez que se caminha para uma situação em que os cidadãos emitem opinião sem mediação e sem deliberação dos seus representantes, o termo mais apropriado para o sistema político seria idiocracia (da raíz grega idios, que quer dizer pessoal, particular, individual), em vez de democracia (da raíz grega demos, ou seja, povo, comunidade). Seguindo este raciocínio, segundo o autor, democracia directa seria um oxímoro. Chegado aqui fiquei, como se nota, totalmente baralhado. É por isso que optei por esta interpelação, porque não gostei da ideia de me definir como um idiocrata (não sei porquê, não me cai bem). Além de que levanta problemas diversos: a esquerda passará a falar em idiocratas de Abril? O Bloco e o PC farão inflamados apelos à unidade de todos os idiocratas? Não me parece que venha a conseguir chamar a alguém idiocrata-cristão sem colocar em risco a minha integridade física. Ilumine-nos por favor!"

Está bem. Idiocrata tem, de facto, o sentido de força do privado, do próprio. Não sei como a esquerda poderá falar de idiocracia. Mas pode falar de democracia, o que já não é mau. E haverá necessidade de uma substituição de termos? Precisaremos de falar de idiocracia ou de democracia? Fará sentido dizer que a idiocracia é da direita quando se trata de um sistema de eleição que não tem tanto a ver com a posição política como com o peso da liberdade individual?

A questão parece-me ser a seguinte: neste caso do recall americano não estamos perante um caso de democracia como a conhecemos. Se a realidade é nova é possível que se tenha de encontrar uma nova palavra para a descrevermos (and yet this does not seem right). Idiocrata parece-me muito bem, Nuno. Até pela evolução semântica da palavra: de privado, ídios passou a significar semelhante - os vários privados têm o poder de intervir com um interesse semelhante. Não lhe agrada o epíteto de idiocrata porque é uma palavra cuja fonética se aproxima perigosamente da palavra idiota (e que significa em grego antigo, o indivíduo - a raiz é a mesma: ídios). O exercício, nesse caso, será o de se lembrar da palavra putativo, que significa suposto, e que não tem nada a ver com putas.

domingo, outubro 26, 2003

Depois de assistir à brilhante intervenção de hoje do Professor Marcelo Rebelo de Sousa fiquei a pensar no seguinte: o Professor não precisa de ter um blogue; o Professor Rebelo de Sousa é todo ele um blogue; um voiceblog. O maior de Portugal e o melhor de todos, a rebentar com qualquer lista de inbound links ou inbound blogs. Um beijo de boas-vindas à vozoblogosfera!
E mais coisas. A querida Vírgula também participa na discussão com o completíssimo comentário: "Os escritores: sou uma leitora muito exigente e muito disponível também. Isto é, parto para um livro mesmo pensando que não será bom. Fico contente quando isso não se confirma, mas sou meticulosa no juízo. Na ficção (é sobre ela que se fala?), dou importância à ideia, à estrutura narrativa, ao estilo e ao imenso campo (para mim) inexplicável que é o prazer puro e duro da leitura. Sou muito sensível à forma como está escrito mais do que ao que está escrito. Contem-me outra vez a Branca de Neve com descrições surpreendentes e personagens densas e têm-me na mão, cheia de expectativas, num próximo livro. Não gosto de escritas com demasiados malabarismos. Acho que um bom escritor nos deixa um texto transparente o suficiente para se ver através dele, opaco q.b. porque não é igual a todos os outros (e, como dizes hoje, cada palavra cabe à justa - como as pedras que faziam as paredes antes dos tijolos, aliás).

Entre nós, o editor: tal como entre o pedreiro e o cliente está o mestre de obras, entre o labor da escrita e o da leitura, trabalha o editor. Quando morava em casa da minha mãe, a vizinha de baixo era uma pessoa muito generosa: dava-me todos os anos no Natal um par de cuecas (com bonecos, até aos 18 anos, de renda, depois). Comprava-as à porta do mercado e talvez por isso fossem horrorosas. Houvesse alguém que editasse as prendas delas e eu não suspirava todos os natais com pena da senhora. Às vezes, há livros que constrangem. Uma pessoa suspira e pensa: mas como é que publicaram isto? Se eu, generosa e desafinada, partilhar, ao vivo e em directo, canções escritas por mim, desiludo certamente. O pior é que nem a contracapa, nem a crítica nos jornais, nem as entrevistas ao Carlos Pinto Coelho, nem as conversas de café podem contar tudo sobre o que diz o livro e, muito menos, sobre como vamos recebê-lo.

Os editores também são muito úteis na correcção dos erros ortográficos. Já em relação à semântica, devem ter mais dificuldades em agir, mas podem, se quiserem são todo-poderosos (duvido deste plural) na sua própria casa. O pior que lhes pode acontecer é ficarem sem inquilinos ou sem visitas - o que é grave."

E do maior crítico do Pipi (olhe que está quase a chegar a 3.ª edição!) chega o seguinte comentário: "Aqui vai uma opinião no epicentro de uma dor de cabeça monstra. Bom, ser escritor... não sei o bem que se entende por isso. Nos Estados Unidos é quem escreve um livro dentro de qualquer área. Em Portugal, País de doutores e de engenheiros, ministros e eminências, a palavra parece estar muito mais ligada à ideia de título que se obtém quando a crítica bate palmas. A única condição para um escritor deixar de ostentar o título depende unicamente da vontade da crítica e os dos jornalistas. A desilusão com um escritor é legítima porque, afinal, o tipo já antes tinha andado dentro da nossa cabeça e tinhamos gostado... e desta vez, a coisa não correu tão bem. Passa-se o mesmo com os bitoques, que variam de dia para dia nos snack-bar dos bairros suburbanos." E eu que pensava que comparar escritores a pedreiros já era provocação suficiente...
É desta que concluo a discussão acerca dos escritores e dos pedreiros. Seguem seis comentários sobre o tema. Todos merecem uma leitura (ou mais).

A Ana Albergaria começa por pôr as coisas nos seus devidos lugares; ou seja, goza com a questão: "Ora bem, acho que a discussão está boa, que está, mas está também demasiado séria e hermética. Isto porque todos estão a entender a palavra 'pedreiro' no sentido mais comezinho. E acho que é preciso alargar os horizontes. Posto isto, cá vai: ser pedreiro é a mesmíssima coisa que ser escritor; só que em versão 'lado B'. Pego aqui, ao calhas, num dicionário e ele que me diz? Que pedreiro é um operário que trabalha em obras de pedra e cal. Muito bem; e que diz mais? Pois que é um morteiro antigo que arremessava pedras; e um gaivão. Era aqui que eu queria chegar. Quê, mais do que um bom livro, é obra de pedra e cal, hã? Quem, a ver pela lista do blogue A Origem do Amor, é que é gaivão? [olha, és tu por exemplo ;) ] Quem, mais do que um escritor, cinzela a pedra, que é a palavra e, depois, em jeito de morteiro a arremessa? Arremessa essas palavras feitas armas? Isto está tudo ligado. Há pedras-palavras, que são mais bem esculpidas; assim como há pedras-calhaus, que são mais mal esculpidas. O artista, minha amiga, é o mesmo!" Roger that!

O leitor António Cruz indigna-se e diz: "Freuagdj rts ue hrtetrasg... isto é escrita automática, sub-género sopa de letras, whatever. E é literatura, claro, porque eu digo que é. Tal como qualquer outra forma de arte, a literatura é cada vez mais o que cada um de nós nomeia como tal. É assim desde que retiraram o exclusivo do imprimatur aos bispos do 'ofício'. Com esta coisa do pós-modernismo e tal, cada um de nós tem a sua capelinha, reza a quem quer e molda os seus santinhos particulares. Se é pena, ou não, que seja assim, é outro assunto. De qualquer forma, é por isso que a literatura nada tem a ver a construção civil. Terá a ver com a construção civil no dia em que derem liberdade aos pobres dos pedreiros de assentar tijolos em alinhamento automático." Claro que não concordo. A literatura não é o que cada um diz que é; é o que muitos dizem que é. O que faz toda a diferença.

O Macguffin volta a pôr ordem na discussão com o seguinte comentário: "Difícil, difícil, é encontrar um pedreiro escritor. Ou um escritor pedreiro. Há uns anos, conheci um. Nessa altura, andava ele a ler Oakeshott, entre baldes de massa e areia peneirada. Inspirado, escreveu o único livro que lhe conheço: Racionalismo e Alvenaria, edições Cimpor."

O leitor Ruben Coelho esclarece o problema: "Na primeira questão, em que compara o escritor a um pedreiro, parece ter-se esquecido que há aqueles que, ainda que fazendo o trabalho de um pedreiro, não o são. Remendam, dão uns toques, disfarçam... e de tal maneira que, sendo até o seu serviço mais acessível e económico, até ganham uns trocos com isso! A segunda questão... não tenho nada a comentar... simplesmente nunca coloquei a fasquia tão baixa! Mais do que aos erros ortográficos, a maior parte das vezes causados por aqueles que processam o texto, tomo bem mais atenção aos erros de construção frásica e destes não podemos apontar o dedo aos pobres desgraçados que passam a vida a copiar. A terceira questão: contraponho à escrita como acto de generosidade, a generosidade de comprar o livro. Não há dúvida de que é necessário muito pretensiosimo para sequer pensar de que escrevem algo que valha a pena ser lido, que têm algo a ensinar / dar às pessoas." Nem mais!

Como o post já vai longo, publico os dois últimos comentários em cima.

sábado, outubro 25, 2003

Estão a ver a inauguração do novo estádio do Benfica e a ouvir as palavras sábias e incisivas do Primeiro-Ministro, do Presidente da República e do Fialho Gouveia (deste último, acabei de ouvir a frase "parabéns que és muito bonito")? A luz da Luz, a Catedral do Inferno (uma contradição, como observou o arguto jornalista da TVI), os flashes das máquinas fotográficas que fazem lembrar o céu estrelado, a relva que se acende, a águia a subir e mil disparates deste género impedem-me de publicar agora os vários textos que recebi sobre a escrita e a arte de trabalhar a pedra. Fica desde já prometida a publicação para amanhã.
O Miniscente (que escreveu três magníficos posts sobre o lançamento do livro do Pipi) classifica a minha descrição do que se passou no Maxime de tranquila e serena. É que eu sabia ao segundo o que ia acontecer. Quando não há surpresa, raramente há motivo para grande exaltação. E, por acaso, tenho pena que assim seja. I always want the best of both worlds.

quinta-feira, outubro 23, 2003

Interrompo a discussão sobre os escritores e os pedreiros porque já perdi o controlo da conversa e porque vos quero falar do que se passou ontem no lançamento do livro O Meu Pipi.

Antes de mais, uma palavra para o Fumaças, para o Comprometido Espectador e para todos os que estiveram no evento e que não se apresentaram: VERGONHA! Pronto, está dito.

O lançamento correu muito bem. Num ambiente de descontração e até mesmo de euforia (por mim, falo, claro está), o Nuno Miguel Guedes apresentou o opus primeiro do Pipi com uma eloquência, uma graça e uma seriedade invejáveis. Nuno, estás à espera de quê para escrever um livro? O Rui Unas leu (ou mesmo declamou) de maneira irrepreensível alguns dos muitos textos do livro. No final, vimos um filme de apresentação do autor que daqui a uns dias estará a circular na Internet. Não se preocupem por isso aqueles que não tiveram oportunidade de estar presentes.

Por mim, posso dizer-vos que me diverti imenso, o que não é mais do que uma continuação do divertimento em que tenho vivido nestes últimos três meses.

quarta-feira, outubro 22, 2003

O The Amazing Trout Blog envia-me um poema bem a propósito desta discussão.

O OFÍCIO

Recomeço.
Não tenho outro ofício.

Entre o pólen subtil
e o bolor da palha,
recomeço.

Com a noite de perfil
a medir-me cada passo,

recomeço,
pedra sobre pedra,
a juntar palavras,

quero eu dizer:
ranho baba merda.

Eugénio de Andrade
O leitor Paulo Marques pergunta: "mas porquê a comparação entre escritor e pedreiro?" A comparação vem de uma frase que utilizo frequentemente na minha vida e que é: se em vez de "amor" este tonto tivesse escrito "tijolo" era a mesma coisa. Isto porque me parece que há cada vez menos amor pelas palavras. É como se a vaidade de escritor se sobrepusesse ao que verdadeiramente interessa: ao texto. Pronto, lá vou ser bombardeada outra vez. Ah, pois vou.
A discussão sobre os escritores e os pedreiros vai longa como se quer. Continuo a receber comentários e continuo a publicá-los.

Do blogue A Memória Inventada recebo uma resposta prática, como gosto: "A minha resposta é algo prosaica, mas é também clara e pode ser facilmente testada. Creio que todos aqueles que desenvolvem actividades APARENTEMENTE fáceis estão sujeitos ao tipo de juízo a que te referias ('ou são bons ou não são nada'). Um escritor é um tipo que escreve e o acto em si não tem nada de misterioso, excepto para os analfabetos. Qualquer um pode ficar com a ILUSÃO de também ser capaz de fazer o que o escritor faz. Logo, um mau escritor não é um escritor; é apenas mais um de nós. O mesmo acontece com os fotógrafos, por exemplo. Pelo contrário, nas profissões em que o grau de especialização é EVIDENTE, não somos tão levianos a desclassificar alguém. Um mau carpinteiro ainda será um tipo capaz de fazer uma porta, ainda que empenada. O comum dos mortais será apenas capaz de martelar os dedos. O mesmo acontece com os trapezistas de circo, por exemplo." Pois. Queres então dizer, meu caro Tulius, que a escrita não sobrevive sem uma técnica. Claro, porque a escrita é uma actividade racional. Como toda a arte.
A Rosa tem um dia de vida e já mudou a vida da Ana Carolina, do Rodrigo e também do 7000 Nomes. A partir de ontem, passámos a ter o 7001 Nomes. Bem-vinda Rosa Leão!

terça-feira, outubro 21, 2003

Do Vermelhar recebo a seguinte mensagem: "(...) um pedreiro erra e não deixa de ser pedreiro é verdade. mas, também é verdade que se um escritor errar (onde? na semântica, gramática, ideia, ortografia?) não deixa de ser escritor. Tanto um pedreiro como um escritor são modos de vida e um erro não anula um modo de vida, apenas pronuncia as dificuldades do nosso dia-a-dia. Ambos influenciam a nossa vida."

Do blogue O Projecto chega este comentário: "A reposta à pergunta de como identificar um bom ou mau escritor como um bom ou mau pedreiro é dada pelo tempo. Quem escreve bem deixa marcas em quem lê, marcas que cicatrizam ficando visíveis, expondo a ferida, denunciando a leitura. Mesmo se quisermos não conseguimos esquecer. O pedreiro vê o seu trabalho axaltado no futuro, com apreciações saudosistas de quem diz 'já não se trabalha a pedra como dantes'. Tanto num caso como no outro não nos cabe a nós essa apreciação. Podemos tentar, mas o juízo será feito por outra geração."

A leitora Soinico diz: "Na minha opinião gostava apenas de dizer que, no mundo, sempre existiu espaço, infelizmente, para profissionais e ascendentes a profissionais. Assim como há maus pedreiros que continuam a ser chamados pedreiros, existem escritores (que até vendem livros!) que continuam a ser chamados escritores... Se bem que é mais linear definir o que é um bom pedreiro, do que o que é um bom escritor - os actos criativos têm destas coisas..."

E o António Cruz finaliza muito bem esta ronda de respostas: "É curioso esse debate sobre o que é ser escritor. Parece-me é que é uma discussão um bocado burocrata. E já temos, ao que parece, uma série de candidatos a ocupar lugar numa futura “Direcção-Geral Do Que É Ser Escritor”. Parece que estou a ver: “Senhor Director, o escrevente tal e tal não é escritor, porque não cumpre a função de escritor, pelo que proponho a sua expulsão do registo geral de escritores”. É como se alguém decidisse: “aquele pedaço de ferro não é um prego porque não cumpre a função de prego. Em conformidade, deve sair da caixa dos pregos”. Ficamos então à espera do Regulamento."

Foi-me enviada uma tese sobre este mesmo tema. Brevemente, publicarei as conclusões a que chegou a autora da tese.
Ainda acerca da conversa sobre os pedreiros, os escritores, as expectativas e as desilusões, publico agora alguns comentários de leitores do bomba. Mas antes sugiro que leiam a nova entrada do dicionário não ilustrado do opiniondesmaker e os comentários no blogue Impertinências. Gostei também do post escrito pela Vírgula a este respeito.

domingo, outubro 19, 2003

O Luís e o Hugo têm publicadas as respostas nos seus próprios blogues. Façam favor de clicar nos linques (gosto tanto de escrever linque) e de ler os excelentes textos que aí estão.
Não muito longe da ideia anterior está a opinião do Nelson de Matos, no Textos de Contracapa: "(..) um mau escritor, como um mau pedreiro, distingue-se, creio eu, com facilidade. Vê-se bem, salta à vista. O que é difícil é distinguir os bons. Além de serem poucos não costumam deixar as costuras à mostra..."

Aproveito para agradecer as palavras carinhosas que me dirigiu. Embora nunca tivesse falado do bomba nem de mim, eu sabia que aprovava os meus escritos e que muito provavelmente se divertia a lê-los. E ainda dizem que a intuição feminina não existe.
Do José Bragança de Miranda recebo a seguinte mensagem: "Os pedreiros são uma espécie em extinção, em contrapartida há demasiados escritores. Quando um escritor é sublime, já não e um escritor, mas um criador de mitos e um condutor de almas. São raros, mas não é eles que buscamos em tudo o que lemos? Os outros são muitos, mas não os desprezamos secretamente? Não folheamos envergonhados os livros-«pipis», desgostosos com o desperdício de talento e de inteligência? Poderá ser tudo o contrário, mas não para mim..."

Hm... ai essa dos livros-pipis, seu malandro... But on the whole I agree.
Do blogue Conversa na Travessa, mais concretamente da Paula, chega a seguinte mensagem: "Claro que não concordo nada com essa afirmação. No entanto, parece-me hoje em dia difícil ler uma mera frase que seja que não tenha o tal do erro. Todos os dias chago a pobre cabecinha do meu marido com as gralhas abomináveis que se lêem no rodapé dos noticiários de TODOS os canais televisivos. Julgo que esse estranho sinónimo decorre da pouca importância que hoje se parece atribuir à palavra bem escrita. É uma confusão entre o escrever bem e o bem escrever.

Claro que temos esse direito. Se não o acto da escrita esbarraria sempre na condescendência. A medida de qualquer trabalho é-nos sempre dada pelos outros. Incluindo o da escrita."

Paula, gostei tanto dos seus "claro" em início de frase que nem me atrevo a comentar.
Recebi também a respeito deste tema alucinante a opinião do João Miguel Pais.

"Tal como um mau escritor, um mau pedreiro não conseguirá construir a sua
casa devidamente, e pouco tempo passado após o término da sua construção (às vezes mesmo durante esse processo), a casa ruirá, ou então será bastante incómoda ou podendo mesmo originar várias doenças aos seus habitantes. Assim, o pedreiro não será pedreiro, pois não conseguiu cumprir o seu objectivo, o de construir uma casa habitável que se possa manter (pelo menos) alguns tempos. De modo semelhante, um mau escritor ou um escritor mesmo muito mau que já passa a ser outra coisa (não sei o quê), criará um livro que não se conseguirá aguentar em pé, mesmo admitindo que se consiga levantar. Assim, tal como a má casa, não cumprirá o seu destino de ser livro."

Discordo, João. Julgo que não fazermos bem o nosso trabalho não serve como critério para nos retirar o "título". Talvez infelizmente.

Sobre a generosidade do escritor, o João diz o seguinte: "Sim, claro (ou até o dever, caso seja necessário). Um escritor é um ser humano que com a sua história ou curriculum) cria sempre uma espectativa. Tal como o pedreiro que construiu uns prédios interessantes no bairro da esquerda, os da direita que vão ser construídos serão tanto ou mais interessantes. Assim, ele cria a sua fasquia, que os bons escritores levantam constantemente. Ou como com um/a amigo/a especial, que não deixa de ser generoso, também pode (mesmo inadvertidamente) causar alguma desilusão."

É verdade. Quando se cria expectativas, é inevitável que alguém, alguma vez, se desiluda connosco. Porque há-de um escritor ser diferente?
Do Tempo Dual recebo a seguinte mensagem: "Tenho um tio que foi pedreiro, foi durante muitos anos, diziam que era dos melhores. Um dia meteu na cabeça que não conseguia construir mais nada. Dava-lhe assim uma espécie de tremores. E pronto, passou a ser o tio que por causa da doença de nervos deixou de trabalhar. De vez em quando faz umas coisas em casa, ou mesmo para alguns familiares, mas a coisa tem de ser muito bem estudada. Se lhe atiram de jofre com "oh, shor' antónio, tenho um trabalhinho bom para si" lá vêm os tremores.

. Talvez um escritor passe a ser mau quando deixa de ter medo de falhar.

. Essa fasquia pusemo-la lá em baixo no dia em que começamos a acreditar que quem tem um olho é rei, como se por acaso vivessemos em terra de cegos (era o que faltava).

. A desilusão, não sei. Às vezes o direito à desilusão parece um exercício de arrogância. Mas que fazer com a indignação se nos sentimos enganados? Pronto, realmente não sei, esta passo."

Obrigada, Cláudia, pelas muito boas respostas. A terceira, a que passou, está respondida nas suas perguntas.
O Fernando Dinis diz o seguinte: "Eu acho que um escritor é uma espécie de missionário; é ouvido (lido) enquanto houver crença nele, ou a fé, por aquilo que prega. Julgo que sejam sempre os outros que tornam um escritor num bom ou num mau escritor, consoante a sua interpretação. O escritor navega às apalpadelas, de livro para livro, afinando o rumo, equilibrando o passo, oferecendo chocolates ou gelados aos nervos dos dentes. Raros são os que encontram um caminho de loucura indefinida; e aí sim, num mundo deles, exercem a altiva forma de estar. Aqui funciona o inverso; quem quiser, ao lê-lo, entra ou não no seu mundo."

Pois. São os outros que dizem quem é bom e quem é mau. Normalmente, estes outros exercem algum tipo de influência nas pessoas e têm uma determinada autoridade.
O António Mota também faz o favor de dar para este peditório organizado por moi même (obrigada!).

"Acerca do seu último contributo polémico, eu diria: quando dizemos que fulano(a) é escritor ou é pedreiro ? bom ou mau é-o. O problema está em que catalogamos antes de identificarmos e depois andamos meio tempo a justificar o rótulo. Com excepção dos analfabetos, todos sabem escrever um pouquinho, dar um pequeno recado, o que não faz do escrevente um escritor, assim como não faz do trolha que dá uma mão e ajuda o pedreiro num destes profissionais (e também há pedreiros que não são pedreiros pois são artistas! Enfim, fiz-me entender?)."

Ainda bem que saber escrever não significa que sejamos todos escritores. O mercado ficaria saturado! Acho graça à ideia do profissional da escrita, da actividade criativa como um processo racional, trabalhoso e que se torna possível porque se adopta uma determinada técnica.
O André Figueiredo Fontes diz o seguinte: "se o generoso escritor tem o direito de nos iludir, também terá sempre o direito de nos desiludir... A opção é sempre dele". Hm... e como sabemos isso? E, já agora, o próprio autor como sabe?
A Ana Maria conta este pequeno episódio que arruina a minha primeira pergunta: "O pedreiro foi lá a casa para fazer uns arranjos e disse: 'ó minha senhora, quem lhe fez isto não era pedreiro'". Os pedreiros têm fama de exagerados...
Aproveito a calma do domingo (para mim, o melhor dia para blogar) para pôr o correio em dia. Os textos que publicarei em seguida, bem como os respectivos comentários, referem-se à discussão iniciada aqui na quarta-feira.

O Pérfido envia-me a seguinte mensagem: "Não dar erros ortográficos não faz de ninguém um bom escritor. Mas qualquer escritor deve esforçar-se para não cometer erros ortográficos. Afinal de contas, se os cometer inconscientemente, como poderá ter a certeza de fazer passar a mensagem?"

A "mensagem" não passa pela boa ortografia, mas pela "boa semântica" (seja lá o que isso significa) e, mesmo assim, não há garantias nem de que haja mensagem, nem de que passe.

O Pérfido continua: "Há erros mais difí­ceis de detectar. É que, como ambos sabemos, o escritor é o principal responsável pela obra que escreve, enquanto o pedreiro constrói a obra sob as indicações de outros." Sim, parece-me uma evidência.

E conclui: "Mas um livro pode sair torto que não mata ninguém. Logo, o escritor pode experimentar. Espero que nenhum de nós entre em contacto com uma edificação torta..." Logo, o pedreiro é mais importante do que o escritor.

sábado, outubro 18, 2003

Enquanto a cabeleireira lhe aplicava uma ampola e massajava o couro cabeludo, o cavalheiro atendeu o telefone: "Desculpe, agora não posso falar. estou numa reunião". Se a mentira não existisse, passaríamos por muitas vergonhas.
Ontem, num cabeleireiro a rebentar pelas costuras de mulheres de todos os tipos, entrou um homem de bigode revirado e atrevido. A reacção das senhoras foi a do costume: "sabemos perfeitamente que aqui estás mas não te vamos ligar nenhuma". Com certeza algumas pensaram: "mas já não há barbeiros nesta terra?" E ainda outras mais nostálgicas: "ai que saudades do tempo em que os liceus não eram mistos". As meninas que tinham pratas na cabeça no olhar tinham escrito: "é preciso ter uma cara especial para ficar bem até de pratas na cabeça" e o mesmo pensaram as que tinham molas penduradas no cabelo, mistelas de cores várias a cobrirem a cabeça, cera na cara etc. O homem saiu com menos cabelo e menos auto-estima.

sexta-feira, outubro 17, 2003

Quando escrevi o post sobre os pedreiros e os escritores já previa alguns danos colaterais. E não há nada pior do que danos colaterais, apesar de acreditar que na vida não façamos muito mais do que acertar ao lado.

A primeira resposta vem do little black spot, cuja autora tem a capacidade de bem pensar que é mais de meio caminho andado para bem escrever: "Parece-me que possamos estar perante uma questão de linguagem, isto é, tudo depende dos conceitos presentes no nosso entendimento do que é (ou deve ser) um escritor, sendo que não me parece que seja fácil a tarefa de determinar se em algum momento, e por algum motivo, um mau escritor deixa de o ser para se tornar outra coisa qualquer. Mas acredito que aconteça. Isto é, que chamemos escritores por comodidade a alguns seres que escrevem, apenas porque passaram a inserir-se numa categoria que ainda não sabemos nomear. Eu tenho observado isso na minha área, que é a das artes plásticas, e que creio poder ser referida como analogia: é que nunca de modo algum bastou a alguém ter nas mãos pincel, tintas e tela para se chamar pintor (tal como nunca bastou a ninguém um diploma das Belas Artes para ser considerado artista); na verdade, um mau pintor que seja pintor de ocasião mas se presuma ainda assim 'pintor' é quase um insulto para os pintores de facto. É um insulto que sinto e vejo dirariamente por onde passo, onde quer que esteja o tal facilitismo de pensar que basta 'fazer' para 'ser'.

Acredito que possa colocar-se a questão que, da mesma forma que um escritor muito mau passa a ser outra coisa qualquer não nomeável, também um pedreiro muito mau deixe de poder ser considerado pedreiro, só que normalmente nunca ninguém perde muito tempo a pensar nisso, ninguém atribui aos pedreiros a relevância reflexiva que se atribui aos escritores. É uma espécie de marginalização de ofícios, creio. No que respeita a factos concretos, também não sei nomeá-los, não sei dizer a partir de que momento percebemos que um escritor é tão mau que passa a ser outra coisa, tal como não saberia dizer em que ponto do espaço é que deixamos de subir em direcção à Lua, para descer para a Lua. Algo assim."

Hoje, durante o dia, publicarei mais algumas respostas. Preparem-se porque são muitas.

quinta-feira, outubro 16, 2003

Recebi muito correio hoje. Amanhã publicarei e comentarei algumas das respostas dadas ao resultado dos 39º de febre. Agradeço desde já a todas as pessoas que me escreveram.

quarta-feira, outubro 15, 2003

Neste dia de grande febrão ando a pensar nas semelhanças entre um escritor e um pedreiro. Um pedreiro, quando faz mal o seu trabalho, não deixa de ser pedreiro. Mas um escritor quando escreve mal é muitas vezes acusado de não ser escritor. Afinal de contas, qual é a diferença? Haverá bons e maus pedreiros e bons e maus escritores. Mas quando é que percebemos que um escritor é tão mau que passa a ser outra coisa?

Chegou-me mais uma pergunta (que possivelmente entra em conflito com a anterior) à cabeça encharcada: a partir de quando pusemos a fasquia tão baixa e começámos a achar que um bom escritor é aquele que não faz erros ortográficos (como se essa também fosse uma condição para a boa escrita)?

E mais uma: uma vez que a escrita é um acto de generosidade temos o direito de nos desiludirmos com um escritor?

Repostas acertadas, práticas e pouco elaboradas para bombainteligente@hotmail.com.

terça-feira, outubro 14, 2003

Neste momento da minha vida em que sou obrigada a ler Cícero (tipo obrigada mesmo, de pistola apontada à cabeça), distraio-me nos momentos de desespero com o Procuro Marido. Gosto tanto da certeira e alfinetadora Dr.ª Amélia, tanto, tanto. Um grande jinho, Amélia, da tua amiga Charlotte.

segunda-feira, outubro 13, 2003

Lembram-se da discussão que tivemos há uns tempos acerca do aportuguesado blogue? Bom, decidi consultar uma especialista em linguística portuguesa e pedir-lhe que decidisse se está correcto dizer blogue, blogueador e (pasmem), bloguesfera. O artigo está a ser preparado por duas linguistas da Faculdade de Letras de Lisboa e será publicado no bomba lá mais para o fim do ano. Nada como meter a Academia ao barulho...
A Ana Roque voltou! Iupi! Que fique durante muito tempo por aqui porque a excelência na escrita associada ao gosto e ao talento fazem do Modus Vivendi um exemplo perfeito do que pode ser essa mistura explosiva. Um enorme beijinho de reboas-vindas para a minha querida Ana!

domingo, outubro 12, 2003

Depois de vermos A Viagem de Chihiro, o meu marido e eu chegámos às seguintes conclusões:

- comer muito faz mal;
- comer muito torna-nos pessoas más;
- vomitar faz bem;
- vomitar e tomar banho torna-nos pessoas boas;
- e, no meio disto tudo, os pais nunca percebem nada.

sábado, outubro 11, 2003

E qual será o étimo de etimologia? Ou melhor, how boring can one be? Bom, etymós significa verdade (a verdade ligada à origem). Need I say more?

sexta-feira, outubro 10, 2003

O Alexandre fala da Grécia, da Elláda. Fala mal da minha querida e caótica Atenas, terra onde aprendi o grego e o testei tantas vezes com os taxistas agressivos. Havia dias em que me tentavam aldrabar e nesses eu sabia que tinha dito qualquer coisa errada, construído mal uma frase; que tinha metido água e que trocara um masculino óbvio para eles por um feminino óbvio para mim. Noutros dias, perguntavam-me se vivia no estrangeiro há muito tempo. Respondia que há algum, mas o estrangeiro não era o mesmo. Nos dias perfeitos falavam-me como se fosse uma deles (mesmo one of them). Nos dias em que a gramática corria melhor.
Não é verdade que não podemos falar do que não conhecemos. Se não houvesse esta presunção de omnisciência não poderiamos nunca falar de nada. Não poderiamos falar da vida de Sócrates, por exemplo. Não poder falar do que não se conhece é mais um daqueles argumentos fracos que dão jeito, sobretudo em tempos estranhos como este, em que ninguém parece querer dizer o pouco que interessa.

quinta-feira, outubro 09, 2003

O Tiago Cavaco obriga-me a desviar a atenção do Pipi e a explicar essa coisa da koinonía (anda uma pessoa a ver se se diverte e há sempre alguém que nos chama à realidade clássica).

O vocábulo grego koinós significa comum ou em comum. Daí koinonía significar em grego antigo associação. Em grego moderno a palavra adquire o sentido de sociedade ou comunidade. A palavra sociólogo em grego é precisamente koinoniológos. Atenção que esse "oi" inicial se lê "i". Senão lá teríamos mais uma palavra pipiesca and so on. Tenham lá paciência. Para a semana já fico bem.
A TVI, que parece uma maluca à solta, mostrou a fotografia do Vasco Graça Moura como sendo o irmão Miguel Graça Moura, que esteve fechado nas instalações da Orquestra Metropolitana de Lisboa. O jornalista apressou-se a pedir desculpas pela confusão mas achei piada ao incidente. Mais graça ainda tem a pergunta do jornalista: "Então, como vai o sequestro?" Bom, só espero que o Maestro tenha aproveitado o tempo para ler um exemplar do livro do Pipi.

quarta-feira, outubro 08, 2003

Ministros demitem-se e eu penso: "o Pipi demitiu-se?" Sai mais uma da casa do Big Brother e eu penso: "o Pipi nomeou a que saiu?" O Schwarzenegger ganhou as eleições para Governador da Califórnia e eu penso: "o Pipi vai emigrar?" É por estar neste estado lastimável que não posso escrever nada sobre etimologia nos dias mais próximos.

terça-feira, outubro 07, 2003

Hoje é um dia de grande excitação (e os comentadores argutos do Pipi percebem o que quero dizer com isto): o livro O Meu Pipi começará a estar disponível nas livrarias. Desde ontem que me bombardeiam (algum dia teria de provar do meu próprio remédio) com perguntas do género: "E quem é?" "Mas é conhecido?" "Tem olhos azuis?" "É alto?" "Quando é que propuseste isto?" "O livro tem coisas novas?"

Bom, tento recuperar o fôlego (mais uma expressão que os comentadores do Pipi com certeza não deixarão passar) e responder a uma pergunta de cada vez (ou não), sempre a sorrir, porque a época é de festa e de grande alegria.

Quanto às primeiras quatro perguntas só posso dizer isto: não posso responder a nada que tenha a ver com a identidade do autor. A vontade do autor em permanecer anónimo é respeitada até ao fim (e porque assinei um contrato de confidencialidade). Ou seja, até ele querer revelar o seu nome.

Quanto à segunda pergunta, gostaria de pedir desculpas a todas as pessoas a quem menti até agora. Compreendem que tinha de ser. Manter um segredo e ser leal por vezes significa ter de mentir e posso garantir-vos que nunca menti tanto e tão descaradamente na minha vida. Sim, já me tinha encontrado com o autor antes do jantar da UBL. Mas atenção: quando lancei o boato de que o Pipi seria o Vasco Graça Moura não tinha tido ainda a ideia de propor a publicação dos textos. Foi quando o Pipi publicou a resposta a VGM que decidi que alguma coisa tinha de ser feita.

Sim, o livro tem textos inéditos e outras surpresas. Divirtam-se!

segunda-feira, outubro 06, 2003

Há alturas em que se pensa melhor do que noutras. No meu caso, organizo a minha pobre cabeça quando me meto no carro. A conduzir concentro-me. Engano-me a mim própria e convenço-me de que assim poupo tempo: conduzo e organizo o meu dia e, de vez em quando, tenho algumas (julgo que) boas ideias.

Um dia destes, na rotunda do Marquês de Pombal, pensei: "a Oficina devia publicar os escritos do Pipi". E subi a Duque de Loulé, em direcção ao escritório. Entrei, pus o blogue no ecrã de um computador e disse ao Gonçalo: "este rapaz é melhor que o Luiz Pacheco". Amanhã temos livro nas livrarias.

Gostaria ainda de dizer que, quando propus a publicação do livro, não tinha falado com o autor. Havia uma hipótese de ele dizer que não ou de nem sequer me responder. Felizmente para todos nós, nada disto aconteceu.

A publicação do livro O Meu Pipi é apenas maneira natural de reconhecer o talento literário do autor. Bravo, Pipi!

domingo, outubro 05, 2003

O tema dos desportistas cultos tem dado pano para mangas. Recebi mais um e-mail muito divertido sobre o brasileiro Sócrates, desta vez da autoria de O Belo Menir.

"Não sendo estudioso da bola (nem de coisa nenhuma, agora que se fala disso...), tenho uma memória prodigiosa para trivialidades de utilidade mais que duvidosa. A propósito do Sócrates-futebolista, recordo-me de uma entrevista dele, se me não engano, à Playboy, em que mencionava ser um de muitos irmãos. Na altura em que nasceu o pai interessava-se pelos filósofos clássicos, pelo que ele e os seus irmãos cronologicamente mais próximos chamavam-se Sócrates, Sófocles e Sóstenes. E jogava futebol que se fartava. Por via das dúvidas, e porque a memória pode ser traiçoeira, fui verificar a informação. Fiquei a saber que o Sócrates é irmão do muito mais recente Raí (short para Raimundo) e que só por intransigência da mãe de ambos o jovem Raimundo não seguiu a linha clássica dos irmãos: estava-lhe paternalmente reservado o magnífico nome de Feidípedes. Apreciando a realidade brasileira que nos chega (embora distorcida), teria sido assim tão mau?"

Não. Feidi, short para Feidípedes, parece-me razoável.
Na blogosfera há uma alma caridosa que se ocupa em coleccionar alguns textos da Revista K. Gostei muito de os reler. Bem-vindo à blogosfera!
Sobre o argentino Bilardo já tinha ouvido as piores palavras e o leitor Gabriel Gonçalves confirma tudo: "Só uma nota em relação aos argentinos: Bilardo pode ser médico mas tem um carácter nada aconselhável, senão veja-se estes dois episódios:

- quando treinava o Sevilha o massagista da sua equipa entrou em campo para assistir um jogador seu e aproveitou para dar água a alguns jogadores entre os quais dois jogadores da equipa adversária. Quando o massagista chegou ao banco apanhou uma descompostura nos seguintes termos: “AO ADVERSÁRIO NÃO SE DÁ ÁGUA!! O ADVERSÁRIO PISA-SE… PISA-SE“. (Meto as maiúsculas porque ele estava a berrar.) Isto foi tudo filmado e causou grande polémica nos meios desportivos espanhóis;

- quando treinava a selecção argentina fala-se que ele deu duas garrafas também ao massagista, uma para os jogadores da sua equipa com água e outra para dar aos adversários caso eles pedissem e que continha água com algumas substâncias "esquisitas” tanto que depois da meia-final com o Brasil os jogadores brasileiros queixaram-se de que ficaram tontos após beber a tal água…"

Pronto, médico, desportista e mau. Não se pode ter tudo.
O blogue 3tesas não pagam dívidas explica quem foi o jogador brasileiro Sócrates.

O leitor Pedro Miguel Sousa envia-me o seguinte e-mail: "Sócrates era realmente um jogador da bola genial. A forma como marcava os penalties ficou na história. Na verdade tinha a vaga ideia de que além de ter nome de Pensador, era também formado em Medicina. De facto fiz uma pequena pesquisa que confirmou isso mesmo. Mais info neste link." Obrigada!
Ontem, entusiasmados com os cães de uns amigos, encomendámos um Jack Russell. Hoje acordámos e percebemos que ainda vivemos num apartamento.

sábado, outubro 04, 2003

Ainda mal postei os textitos com as minhas teorias profundas sobre homens desportistas e intelectuais quando recebo um e-mail do Vasco a reclamar: "Quanto àquele post sobre a selecção argentina de râguebi, era só para dizer que a selecção portuguesa de râguebi, também está cheia de veterinários, gestores e advogados. E além disso, tem feito grande prestação a nível nacional, tendo sido raras vezes reconhecido o seu mérito." Tem toda a razão! As minhas desculpas.
Cenas da vida conjugal

Tento provar ao meu marido que esta história de conjugar o desporto com a cultura é uma coisa argentina. Mas é ele que mo prova a mim.

- O próprio Figo tem a inteligência do empresário mas não deve ter lido um livro na vida.
- Isso é porque o futebol na Europa é considerado pelo intelectuais há muito pouco tempo. Na Argentina, não havia aula de Filosofia em que não se falasse do jogo entre o Boca e o River do domingo anterior. O professor conseguia sempre dizer qualquer coisa do género: "Pronto, já sei que vos interessa mais o resultado do jogo do que Hegel, mas..." Quando cheguei a Paris, ninguém falava de futebol na faculdade.
- O Artur Jorge é formado em Literatura, mas foi mau jogador, não foi?
- Sim, e péssimo treinador. Havia um brasileiro que se chamava Sócrates...
- Mas um brasileiro que, apesar de ter esse nome, não ficou para a história?
- Pois... Talvez o maradona saiba mais alguma coisa dele.
- Querido, isto prova que pode haver desportistas com interesse. Mas na Argentina.
- Talvez.
A propósitos de homens desportistas e cultos, o maradona lembrou o jogador argentino Jorge Valdano, formado em Filosofia. Valdano é autor de dois livros sobre futebol, responde às perguntas que lhe fazem sempre de maneira inteligente, é conhecido por ser um excelente crítico de futebol e é mais um pesadelo para os homens. Além disso foi companheiro de equipa de Maradona (com maiúscula).

Mais há mais exemplos. Também Bilardo, antigo jogador e treinador da selecção argentina, é médico. E parece que a selecção argentina de râguebi está cheia de advogados, médicos etc. O meu marido diz que é por se tratar de um desporto semiprofissional. Eu acho que é uma coisa argentina e pronto.

sexta-feira, outubro 03, 2003

E por falar em Prémio Nobel... A Academia de Letras Argentina, desde Jorge Luis Borges, nunca mais propôs um argentino para Prémio Nobel (este ano propôs Vargas Llosa e George Steiner). É um povo com muita pinta.
Tenho uma relação de amor com a Argentina sem nunca ter visitado este país. Conheço-o pelo meu marido, que é argentino, pelos poucos amigos argentinos que vivem em Portugal, pelos escritos de Borges, pelos tangos de Esposito, pela carne e as empanadas do restaurante Las Brasitas e pelo futebol. Esta volta toda para falar do jogador argentino Solari, oitavo na selecção argentina e jogador do Real Madrid. Solari é uma espécie de Giselle Bündchen cultíssima. Solari, além de giro, jogador rápido e forte (pedi autorização ao meu marido para escrever isto, porque estes argentinos portistas não são para graças), é estudante de literatura, inteligente e interessado. O Solari é um pesadelo para qualquer homem; é o super-homem da modernidade.

quinta-feira, outubro 02, 2003

No dentista

- Baldou-se na semana passada.
- Pois...
- Mas não está com medo?
- Hm... um bocadinho.
- Júlia, traga o livro para podermos começar.

(Uma hora e três anestesias depois)

- Hm...
- Está a doer?
- Nã...
- Não adormeça.
- ...
- Pronto. Agora volta daqui a uma semana e tiramos o dente.
- O quê?!
- Tiramos os pontos...

[Está tudo bem. Eu é que gosto de me fazer de vítima. Os festejos do bomba terminaram com drogas e gelado. Já não é mau.]
O bomba inteligente faz hoje seis meses! Isto em aniversário de gente corresponderia a quê? Dois anos? Muito obrigada a todas as pessoas que lêem o que aqui vou escrevendo e que participaram no blogue durante este tempo. Beijinhos para todos e que comecem os festejos!

quarta-feira, outubro 01, 2003

O Professor Doutor Pipi, por conhecimento, talento e instinto literário refere-se hoje muito acertadamente ao vocábulo grego sporá. Sporá significa plantar a semente, hora de plantar a semente, semente e mesmo rebento. É impossível não associar o adjectivo sporádikos (o nosso esporádico chapadinho) a sporá. Sim, porque plantar a semente não é coisa que se faça todos os dias.

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