blogue de carla hilário de almeida quevedo bombainteligente@gmail.com

sábado, janeiro 31, 2004

N' A Ilíada, Hera quer seduzir Zeus (por um motivo que agora não interessa, como a vitória de Agamémnon e das tropas gregas na Guerra de Tróia). Afrodite dá-lhe uma espécie de banda ou fita bordada para que ponha à volta do peito e assim garanta o sucesso do plano. Zeus, encantado por Hera, tem uma fala extraordinária, que oscila entre a piada e a prova de que mesmo os deuses percebem muito pouco de mulheres: "Hera, you can choose some other time for paying your visit to Okeanos - for the present let us devote ourselves to love and to the enjoyment of one another. Never yet have I been so overpowered by passion neither for goddess nor mortal woman as I am at this moment for yourself - not even when I was in love with the wife of Ixion who bore me Peirithoos, peer of gods in counsel, nor yet with Danae the daintily-ankled daughter of Acrisius, who bore me the famed hero Perseus. Then there was the daughter of Phoenix, who bore me Minos and Rhadamanthus: there was Semele, and Alkmene in Thebes by whom I begot my lion-hearted son Herakles, while Semele became mother to Bacchus the comforter of humankind. There was queen Demeter again, and lovely Leto, and yourself - but with none of these was I ever so much enamored as I now am with you." Homero, A Íliada, XIV, 376-394.
Objectivos de vida parecidos: "There is no comprehension, there is real isolation, there is so much destruction, what I want is a celebration". Love Profusion, Madonna.

quarta-feira, janeiro 28, 2004

"A boas palavras responde com boas palavras", As Suplicantes, Ésquilo, datação muito problemática - quatrocentos e muitos a. C.
Pedido ao Abrupto: já que está por essa zona do globo, traga umas latinhas de caviar, por favor. A blogosfera agradece. Ou melhor, eu agradeço.

terça-feira, janeiro 27, 2004

A favor da estupidez

A morte provoca a estupidez que está em todos nós (uns têm-na em maior dose do que outros), por vezes durante muito tempo sossegada, porque nos confunde; porque quase sempre não percebemos como acontece. Anteontem, Miklos Fehér, de 24 anos, morreu à vista de todos e isto (um rapaz de 24 anos morrer de repente e morrer connosco a assistir) está para além do nosso entendimento. Procuramos explicações, porque aquilo que se passou ontem não se pode passar simplesmente assim. Mas pode. E acontece. É uma injustiça e é irreversível e por isso é que é trágico. Mas nós não aceitamos mesmo sabendo que não nos vale de nada refilar. É por isso que nos últimos dias se disseram as coisas mais absurdas, mais ridículas e até ouvimos e lemos frases que parecem ofensivas. Pode até ser preferível ficar calado. Mas a indignação neste caso parece-me saudável. Que a estupidez seja agora tolerada e que nos indignemos todos porque podemos fazê-lo. Ainda bem para nós.

segunda-feira, janeiro 26, 2004

Horrível a notícia da morte do jogador do Benfica, Miklos Fehér, de 24 anos. Sempre ouvi dizer que quanto mais novo se é, menos hipóteses há de escapar à morte na sequência de uma paragem cardio-respiratória, enfarte do miocardio ou ataque cardíaco. Mas esta explicação foi sempre acompanhada do seguinte argumento: "isto porque há uma doença cardíaca que, habitualmente, não é detectada." Pergunto-me que, se assim é, como é que a doença não se detecta em atletas de alta competição.

domingo, janeiro 25, 2004

Etimologia hebdomadária

O Luís Carmelo pergunta-me qual é a etimologia de apagoge. Apagogí (este último "i" lê-se "ê" e é escrito com um eta, que corresponde graficamente ao nosso "h") é um vocábulo composto pela preposição apó, que expressa afastamento, distância (de) e pelo verbo ágo (este "o" é um omega), que significa conduzir. O correspondente de apagogí seria em latim abduco: ab + duco, cujo significado corresponde ao grego. O rapto, ou a abdução, não será uma interrupção, um desvio num caminho? Tirar algo de um sítio em que habitualmente está para pôr noutro menos habitual? Já se fizeram teorias da linguagem com menos.
Objectivos de vida parecidos: "All I wanna do is have a little fun before I die", Sheryl Crow.
Madman

Every child has a madman on their street;
The only trouble about our madman is that he's our father.

Paul Durcan, A Snail In My Prime.

sábado, janeiro 24, 2004

Lost in Translation é também um poema de James Merrill. Pode ser lido aqui.
"Those who are esteemed umpires of taste are often persons who have acquired some knowledge of admired pictures or sculptures, and have an inclination for whatever is elegant; but if you inquire whether they are beautiful souls, and whether their own acts are like fair pictures, you learn that they are selfish and sensual. Their cultivation is local, as if you should rub a log of dry wood in one spot to produce fire, all the rest remaining cold." Ralph Waldo Emerson, The Poet, 1844.

sexta-feira, janeiro 23, 2004

De lágrima ao canto do olho

"Parece que o governo chinês realmente desclassificou a blogosfera e já não a considera uma ameaça eminente para a grande nação chinesa", escreve-me a inteligentíssima correspondente do bomba. Minha querida, agora que me estás a ler e aqui à frente de toda a blogosfera, peço-te: volta.

(silêncio dramático)

Pronto, já percebi. Então faz um blogue e envia a morada. (Morro de saudades... pronto, já paro com isto. Pronto. Ai. A sério que paro! Não estou a fazer nada, pá! Mas podias voltar... pois podias... pronto, está bem. Eu sei que não sou a tua mãe, mas... eu gostaaava... vá lá... volta só um bocadinho. Pliss. Voltas um bocadinho e depois vais à tua vida. A sério. Juro que nunca mais te peço nada. Juro. Olha, não tenho os dedos cruzados. E a língua de fora! Oooolta. Pronto. Plis.)
O submundo do submundo da blogosfera

Depois deste excesso literário dos últimos dias, passei o dia nas massagens. Levo a lei da compensação muito a sério. Não se brinca com a lei da compensação, ah pois não. Sempre que um prato da balanço fica mais em baixo trato logo de o restituir à sua posição habitual. Sim, à posição de equilíbrio.

Quando chego a casa e ligo o computador, vejo que a minha caixa de correio está a arder! Uma fogueira mais alta do que a dos livros não desejados pelo Abrupto! Há sangue mas nem se vê; gritos de horror e manifestações de dor (isto agora correu bem). Na minha caixa de correio, há claques que clamam por uma e por outra tradução. "Que horror! O Kavafis deve estar a dar voltas na tumba!" grita uma, "porra, porra e mais porra!" grita a outra, "as traduções inglesas é que são boas!" berra uma terceira e "Porto! Porto! Porto!" insiste outra. No meio da confusão, um aproveitador da minha ausência deitou um cigarro ansiosamente fumado para o chão e puf. Recolho as cinzas.

Agora a sério. Obrigada pelas mensagens que me enviaram nestes últimos dias. Inflamadas, inteligentes, divertidas. Ah, e também há um poema de Kavafis que traduzem sempre mal...

quinta-feira, janeiro 22, 2004

Vasco Graça Moura traduziu o poema Mar da Manhã, de Konstandinos Kavafis, a partir das explicações que aqui apresentei e comparando as várias traduções do poema. Gosto desta versão, porque devolve o ritmo ao poema e, sobretudo, gosto do tom. Compreender o poema é também compreender a língua, mesmo sem a saber. Muito obrigada.

Mar da manhã

Deter-me aqui. E olhar um pouco a natureza.
Mar da manhã e um céu sem nuvens,
brilhar do azul e orla amarela; e tudo
belo, grande, iluminado.

Deter-me aqui. E iludir-me a ver isto
(sim, por instantes o vi, quando aqui parei)
e não, também aqui, meus devaneios,
recordações, imagens do prazer.

Tradução de Vasco Graça Moura

quarta-feira, janeiro 21, 2004

Mas há mais poemas de Kavafis e mais traduções com as quais não concordo nada! A partir de agora, já sabem: Kavafis durante a semana e etimologia aos domingos. Sim porque com o blogue não se brinca, ouviram? Mau...

Ah, e um beijo de reboas-vindas ao autor do melhor blogue da blogosfera e arredores: o Alberto Gonçalves.
Problemas técnicos

Sei que o post em baixo tem gralhas, mas não me é possível editá-lo. Sempre que o tento fazer, os caracteres gregos transformam-se em números e os linques desaparecem. As gralhas terão de lá ficar.

Entretanto no arquivo de Kavafis está a palavra mavís como azul em todas as línguas que possam imaginar. O único problema é que no dicionário da Oxford de grego-inglês a cor indicada para mavís (infelizmente, não consigo escrever com caracteres gregos no blogue) é malva, que é precisamente um tom púrpura. Azul, roxo ou púrpura, parece-me interessante saber o que é mas não me parece que altere o sentido da frase. Também no mesmo arquivo está a explicação para pos, que será uma conjunção e não uma preposição. Aqui tem toda a razão e o erro é meu. Pos é de facto a conjunção "que". No entanto, "e que me engane que vejo isto" parece-me mais próximo do original, embora possa perder um pouco o ritmo. Agora precisa de ficar na gaveta para daqui a uns meses ver no que deu. Daqui a uns meses, a tradução será provavelmente outra.
Pesadelo De Post (ou As Minhas Desculpas Pelo Aborrecimento) - como se não fosse pouco, revisto e aumentado.

O Abrupto publicou há dias um poema de Konstandinos Kavafis, intitulado Mar da Manhã. Com o original em grego postou também uma tradução do Roger Sulis. Eu disse que não gostei da tradução e como entrei numa fase irreversível (um contrasenso?) de acreditar que os gostos se discutem, passo então a dissecar o poeminha (sugnómi, Kavafi, agapi mou) e a mostrar que gosto mais da tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis porque me parece mais próxima do original e, para mim, melhor.

ΘΑΛΑΣΣΑ ΤΟΥ ΠΡΩΙΟΥ
[Aqui não há nada que enganar: thalassa está no caso nominativo e significa mar (pensem em talassoterapia) e tou proiou está no genitivo, um caso que existe em grego e noutras línguas como o alemão e que indica posse. Os casos em que se encontram as palavras definem a sua posição na frase (que neste caso é o mesmo) e assim temos mar da manhã. Mas não temos mar pela manhã, como já li algures. Aqui não há nenhuma preposição.]

Εδώ ας σταθώ. Κι ας δω κ' εγώ την φύσι λίγο.
[Εδώ significa aqui e ας σταθώ está num tempo estranho que se chama protreptikó (porque é que disseste optativo, Roger? Será um arcaismo em Kavafis? Talvez, mas a tradução do optativo é então mesmo pelo conjuntivo independente) e que é um tempo que exprime desejo e exortação, daí me parecer mais interessante traduzi-lo pelo conjuntivo independente, uma vez que este exprime um anelo; um desejo ardente por algo. Que eu me detenha aqui parece-me então uma opção melhor do que hei-de deter-me aqui, precisamente pelo grau de certeza que implica. "Que eu faça" não é a mesma coisa que "hei-de fazer". Na segunda frase, há uma intenção forte de fazer, na primeira um desejo grande de fazer. O tom também me parece importante: que eu me detenha é pacífico, quase pede um "Deus queira" atrás porque não depende de mim. Pelo contrário no "hei-de deter-me" vejo um dedo em riste e quase pede um "contra tudo e contra todos". É diferente. Se optamos pelo conjuntivo independente como tradução, então teremos de continuar assim e traduzir as thó por "que eu veja". Aqui prefiro também o verbo ver (δω de vlépo) ao contemplar utilizado por Sulis. A tradução a Κι ας δω κ' εγώ την φύσι λίγο é literal em JMM e NP: "E que também eu veja um pouco a natureza".]

Θάλασσας του πρωιού κι ανέφελου ουρανού
[Esta frase está toda no genitivo o que leva à tradução "de um mar da manhã e de um cáu sem nuvens". Compreendo a tradução de Sulis porque realmente o artigo indefinido não está lá. Mas será sempre o mar o da manhã e veremos sempre o céu sem nuvens? Além de o título do poema não ser "o mar da manhã". Não é sempre o mesmo mar; é aquele daquela manhã - um mar qualquer de uma manhã qualquer - que interessa.]

λαμπρά μαβιά, και κίτρινη όχθη, όλα
[Percebo o recurso à muleta da palavra "cores" na tradução de JMM. Parece que falta alguma coisa em λαμπρά μαβιά (roxos brilhantes - mávi pode ser roxo, púrpura ou talvez aquele tom mais acastanhado quase bordeaux, mas não azul. Suponho que seja o resultado da mistura entre a margem amarela e o céu azul sem nuvens. Não podemos esquecer que é de manhã. Ora όλα (neutro, plural - significa tudo) concordará com os adjectivos que se seguem.]

ωραία και μεγάλα φωτισμένα.
[Tudo, dizia, belo (ωραία) e grande (μεγάλα) iluminado (φωτισμένα). Sulis propoe que se trate μεγάλα como advérbio de modo. É possível porque os advérbios de modo e os adjectivos neutros neutros plurais têm a mesma terminação. Mas grandiosamente não me parece bem. Não serão o céu e o mar suficientemente grandes? Na verdade entendo a frase desta maneira: όλα φωτισμένα, ωραία και μεγάλα. Ou seja, tudo iluminado, belo e grande.]

Εδώ ας σταθώ. Κι ας γελασθώ πως βλέπω αυτά
[Já expliquei a tradução da primeira frase em cima. A tradução da frase Κι ας γελασθώ πως βλέπω αυτά parece-me mais bem conseguida por JMM e NP. Mais uma vez, trata-se de uma interpretação à letra: "e que me engane para ver isto". A palavra πως é a preposição para e αυτά significa isto; ou seja, isto tudo belo, iluminado e grande.]

(τα είδ' αλήθεια μια στιγμή σαν πρωτοστάθηκα)
[Aqui prefiro a tradução de JMM e de NP por uma questão que diz respeito aos diferentes usos da língua portuguesa em Portugal e no Brasil. JMM e NP insistem na palavra isto porque τα é o artigo definido neutro plural que concorda com o όλα (tudo) que vem lá de trás e o belo e o grande e o iluminado; isto que aqui vejo.]

κι όχι κ' εδώ τες φαντασίες μου,
[A frase anterior estava entre parêntesis, o que significa que teremos de voltar um nadinha atrás. Tínhamos "e que me engane para ver isto" (isto do céu e do mar e da natureza etc.) "e não aqui também os meus devaneios". Aqui percebo a tradução "fantasias" de Sulis, embora me pareça que "devaneios" seja mais neutro. As fantasias estão muitas vezes ligadas à sexualidade e não me parece que seja esse, aqui, o caso.]

τες αναμνήσεις μου, τα ινδάλματα της ηδονής.
[A frase continua com o acusativo τες (complemento directo), como em cima e parece-me pacífico: "as minhas recordações". Mas o que se segue já não. Prefiro como traduço, "as ilusões do prazer", que não está nem numa nem na outra tradção. Se bem que volúpia não é mal pensado. A palavra ηδονή é uma daquelas que mete respeito. Estão a ver "hedonismo"? Pois lá está. Prazer, em grego que os gregos saibam é euxarístisis. Esta palavra entra numa competição mais avançada. Volúpia tem o significado de "prazer dos sentidos"; um significado mais "físico" e que, aqui sim, faz sentido.]

E pronto. Que me desculpe o Roger Sulis (desejo ardente, conjuntivo e coisa e tal) por ter sido um pouco seca e infantil. É que é sempre mais fácil recusar alguma coisa que não nos parece boa ou certa (ou ambas que talvez sejam a mesma) sem explicarmos porque achamos isso. Quanto ao Jorge de Sena e à Marguerite Yourcenar e... olhem, tenham pena de mim.

[O Absorto e o Quartzo, Feldspato e Mica também se referem a este poema de Kavafis.]

terça-feira, janeiro 20, 2004

Ainda em conversa com a minha querida Ana, do Modus Vivendi, e sobre a misoginia, lembrei-me do que disse a esse respeito a pitonisa da contemporaneidade, Madonna: "I hate men who hate women... I hate people who hate... I... oh, well." Uma vez católica sempre católica.
A minha querida Ana, autora do sempre belo Modus Vivendi (mesmo com o nome Justin Timberlake lá escrito... olha também já está aqui, pronto), dedica-me um post que não mereço (hoje acordei assim... tipo pobre criatura humilde). Sinto-me como se tivesse um tapete púrpura estendido à minha frente, consciente de que se o pisar estarei a cometer o pecado da hybris. And we know what that means. Obrigada, Ana. Mandei que se recolhesse o tapete.

segunda-feira, janeiro 19, 2004

Prometeu, na peça Prometeu Agrilhoado, de Ésquilo diz: "O tempo, envelhecendo, tudo ensina". É preciso não esquecer que Prometeu (o semideus que roubou o fogo dos deuses a Hefesto e o deu aos homens, fazendo com que estes conhecessem as artes) está no momento em que diz isto, agrilhoado num desfiladeiro com o figado a ser comido por uma águia e que sabe que aí ficará durante trinta milénios, altura em que Hércules chegará para matar a cabra da águia. Mas voltando à frase. Alguém acredita nisso? Sim, em princípio, a frase é sábia. O problema é que naquela altura, e dadas as circunstâncias, não me é possível acreditar naquelas palavras.
Enviei à correspondente do bomba em Pequim um exemplar do livro do Pipi. Recebo agora notícias de que o pacote chegou intacto e que o exemplar está neste momento escondido por trás de um tijolo solto na parede da casa. É que as autoridades chinesas proibiram a série Friends por ter demasiadas cenas de sexo. One cannot be too careful.
Fica desde já prometida ao Roger Miguel Sulis, coordenador do arquivo de Kavafis, e ao José Pacheco Pereira uma justificação para o meu desagrado quanto à tradução do poema de Kavafis publicada no arquivo e no Abrupto. Preciso de tempo para escrever esse post. Até já.

domingo, janeiro 18, 2004

Etimologia hebdomadária

A partir de hoje, aos domingos, passarei a escolher uma palavrinha e a dissecá-la convenientemente aqui à vista de todos. Assim, organizo a minha pobre cabeça e também vou aprendendo umas coisas, porque, como diz o povo, "o saber não ocupa lugar".

A palavra de hoje é misoginia. Mísos significa ódio (favor não confundir com misós, meio) em grego e esse ginia é tiradinho de yúnis (o "y" lê-se guê, mas mais gutural), que significa mulher em grego antigo. A palavra misoyúnis, ou misógino, vem registada no dicionário como tendo sido inicialmente utilizada (escrita) por Estrabão, que, muito sinceramente, era um grande chato (para confirmar, é favor passarem os olhos por qualquer um dos volumes da Geografia). Curioso é vermos que a palavra se mantém praticamente igual na sua grafia (à excepção de um acento no "i" inicial que cai em grego moderno). Já há odiadores de mulheres há muitos séculos, ah pois há. E não se prevê que desapareçam tão cedo.
Na Cicciolina

A Toscana (mais conhecida cá em casa por Cicciolina), em Alcântara, é um dos meus restaurantes favoritos. Sempre que lá vou, como muito e muito bem e, sobretudo, divirto-me. Tudo por causa do Sr. Carlos, o empregado da tasca.

O Sr. Carlos refez a ementa do restaurante. Trata-se de uma ementa só dele, que corresponde àquela lida por nós, mas que na cabeça dele está traduzida de outra maneira. Assim, quando chegam quatro pessoas para almoçar naquele cubículo, o Sr. Carlos anuncia uma "mesa para quarenta pessoas". Quem não conhece a peça, estranha mas não deixa de sorrir. E o delírio continua, chegam duas, ou, segundo o Sr. Carlos, chegam vinte; chegam três que se tornam trinta e chega uma que depressa se vê transformada em dez. O mesmo se aplica às bicas que se pedem ou às águas. "Saem dez Sousa Cintra" ou "é uma carga de vinho da casa" é a quantidade habitual quando falamos de um almoço para duas pessoas... para vinte, diz o Sr. Carlos.

Mas o Sr. Carlos não fica por aqui. As frases "dá aí um bocadinho de grelo para o senhor doutor" e "calma, que o rabo do senhor doutor já está a cozer", sendo esta logo seguida de "calma, o rabo do peixe que o senhor doutor vai comer" (porque há quem não ache graça nenhuma à brincadeira) podem ser ditas vinte vezes que rio-me sempre que as ouço. "Já vai de avião" quer dizer que a comida está a chegar, mas a variante "está a vestir-se" para a comida que tarda a chegar parece-me deliciosa.

Mas as regras do jogo são para serem cumpridas. Nada de pedir uma cicciolina em vez de uma bica curta, mesmo que conheçamos a linguagem do Sr. Carlos. Ele é que traduz; nós damos o original.

Na fila esperamos pela nossa vez, atrás está uma senhora de uns 70 anos e mais atrás uma rapariga grávida. Para o Sr. Carlos na fila, no que diz respeito às mulheres, estão "ora, um borrachinho [eu], um borrachão [a senhora de 70 anos] e um borrachinho e meio [a rapariga grávida]". O Sr. Carlos é imparável.

sábado, janeiro 17, 2004

Quando Orestes nas Euménides diz, "(...) o tempo, envelhecendo, tudo apaga", não é credível. Orestes será julgado pelo crime de matar a mãe, Clitemnestra, como vingança por esta ter morto o pai, Agamémnon, que, por sua vez foi assassinado pela mulher por ter sacrificado a filha de ambos, Ifigénia and so on, and so on. Oráculos à mistura, o destino que não se contradiz e muitos equívocos depois, Orestes diz aquela frase e eu não acredito nele. E é curioso que uma frase agora considerada como feita, naquele momento dita por aquela personagem, não tenha peso nenhum.
Não vou ao cinema. O último filme que vi no cinema foi... não me lembro. Mas tenho a rotina semanal de alugar DVDs. Ontem vi A Secretária com James Spader (excelente) e Maggie Gyllenhaal (genial). Trata-se de uma versão romântica, inteligente e bem-humorada do sadomasoquismo. Atrevo-me a aconselhá-lo.
Are you talkin' to me?

O caríssimo José Pacheco Pereira citou um poema de Konstandinos Kavafis e teve a gentileza de o postar em grego. A tradução é má. Joaquim Manuel Magalhães fez muito melhor com a ajuda do grego Nikos Pratsinis. Segue a tradução de JMM e de NP e um comentário meu.

MAR DA MANHÃ

Que eu me detenha aqui. E que também eu veja um pouco a natureza.
De um mar da manhã e de um céu sem nuvens
roxas cores brilhantes e margem amarela; tudo
belo e grande iluminado.

Que eu me detenha aqui. E que me engane para ver isto
(vi de verdade isto por um instante quando primeiro me detive);
e não aqui também os meus devaneios,
as minhas recordações, os modelos da volúpia.

O "hei-de deter-me" além de feio não está certo porque, mais do que um desejo (expresso em as stathó), implica uma quase certeza do que se passará. Neste poema, há um desejo por algo que não depende de nós e não uma vontade de algo que depende de nós. Peço-vos que acreditem que esta tradução é impecável. Não tem uma única falha.

terça-feira, janeiro 13, 2004

My own private Molly Bloom

e a maluca doida varrida que vem a correr a correr até sempre às cinco da tarde às cinco em ponto e nem sequer é para dar um passeio e desata aos saltos na cozinha todos os dias é sempre mais para o fim da tarde o mesmo precisa de ser amada é como a angústia da mulher da frente que mais para o fim da tarde começa numa choraminguice e que quer o filho e ali fica até só conseguir soluçar porque a tristeza também precisa de esforço e de força física como a daquela que me encheu a varanda de ovos uma vez é forte comó caraças toda ela grande como a solidão em que vive e aquilo foi ao fim da tarde para ver se era amada porque o fim da tarde é tremendo para as pessoas é tremendo é a hora em que nos apercebemos do que somos é a hora dos meios valiuns para conseguir aguentar o resto seja ele qual for é a hora em que começa a berraria a correria a choradeira sempre quando o dia de repente muda e não devia

segunda-feira, janeiro 12, 2004

A blogosfera voltou a ser o que era: posts insultuosos, ressabiados despudorados em posição de ataque aos teclados, ódios de olhos semicerrados, invejas ao rubro, inimizades por quem nunca se viu mais magro e ainda bem. Enfim, o lamaçal do costume. Maldito Natal que até a blogosfera apazigua. Já tinha saudades, diacho.
Leio por aqui e por ali recomendações de livros. Parece-me sempre uma actividade perigosa, um bocadinho como receitar aspirinas a asmáticos: uns são muito alérgicos, outros já foram, outros nem por isso. A única vez em que aconselhei um livro, a Oresteia, deixaram de me falar. Nunca mais me meti nisso.

domingo, janeiro 11, 2004

Não! Abrupto, faça como o Jorge Luis Borges e ate esses livros que já não quer todos muito bem atados com um cordel. Depois vá a um café e esqueça-se da pilha de livros no banco. Despeça-se deles mas não os queime... É que até me vieram as lágrimas aos olhos.

sábado, janeiro 10, 2004

Sobre o jogo entre o Futebol Clube do Porto e o Paços de Ferreira (surpreendidos?) gostaria de dizer que o Jankaukas é giro (o meu Marido também acha), que o MacCarthy se é insolente é por culpa do Mandela, que o André Bolasboas - perdão, Vilasboas - é alto e que o casaquinho de cabedal do Pinto da Costa me ficaria a matar. Só.

sexta-feira, janeiro 09, 2004

A Ana Gomes Ferreira enviou-me uma troca de correspondência entre Joaquim Castro Caldas e Pedro Tamen, publicada na Revista de Atitudes Literárias, n.º 1, das Edições Quasi. Leiam até ao fim que vale a pena. Obrigada, Ana.

Subsidio para o suicídio

Um dia – como quase todos – acordei sereno estremunhado à noite. Estava farto do mundo em geral e de Portugal em particular. A cortesia era: vou-me matar. Saiu-me isto mas houve uma resposta porreira do outro lado. O que é mais divertido é que só a comunicação social estrangeira percebeu que eu estava a brincar. Portugal não.

Joaquim Castro Caldas, Abril 2001


J.C.C.
Rua da Lapa, XX-X
1200 Lisboa
tel. XXXXXX

Ex.mo Sr.

De certa forma desenquadrado de e epidermicamente hostil ao tão inculto Surrealismo nacional (movimento irreversível que consiste em Surrar – O – Realismo às Minorias Absolutas através das Maiorias Anónimas) e na fiel linha lunática, tradição suicida e corrrented’ar estética da Poesia Portuguesa, venho por esta brevíssima e humilde missiva solicitar à Fundação Gulbenkian, sempre tão prestável e atenta, uma urgente audiência (na pessoa de V. Ex.a com quem, como tenho vindo ao longo dos anos a constatar e sem qualquer lisonja hipócrita, as novas gerações mais prezam o diálogo civilizado e o respeito pela inteligência) audiência essa destinada à concessão de um mísero (face aos vossos fartos recursos) subsídio que, não sendo por certo habitual pedir nem provar, muito honraria o brilho da vossa já quase secular instituição, contribuindo para uma nobre, sã, airosa, decidida e eficaz saída do meu penoso caso lírico pessoal.

Assim sendo, e não ousando abusar muito mais da infinitamente piedosa e tolerante curiosidade de V. Ex.a, passo d’imediato a expor o detalhado rosário de inconfessáveis e vis matérias primas ou sinistros objectos que me propus atribuir um (eventual) orçamento: um revólver (50 mil escudos); munições adequadas (20 mil escudos); um socrático litro de cicuta, um cálice de cobre e uma rodela de manga, para a hipótese de a primeira tentativa se amedrontar (P.V.); algum cianeto e bastante nitroglicerina, para a hipótese da segunda tentativa não passar de um romântico aperitivo ou de uma inconsequente chantagem moral (preço a regatear); cremação do corpo e lançamento de cinzas ao Tejo (500 mil escudos); cachet de 20 palhaços da Companhia de Circo de Lisboa para a citada cerimónia fúnebre (250 mil escudos); cachet da Banda dos Bombeiros Voluntários que chegarem primeiro executando a canção das Crianças Mortas do Mahler, na ocorrência (500 mil escudos, com desconto para poetas e afins); arredondando a coisa deve andar lá perto dos 1000 contos, o que é isso nos tempos que vai correndo? Convenhamos que toda a Morte que se estime não olha a meios para dignificar os seus fins...

Esperando contribuir com a minha modéstia para uma lufada na monotonia da correspondência de que, desejo temê-lo, V. Ex.a será vítima, e desde já agradecendo o vosso empenho generoso, sem mais por ora me subscrevo, com admiração pela paciência de santo de V. Ex.a, exalando confiança, irradiando ansiedade...

Joaquim Castro Caldas


Fundação Calouste Gulbenkian
Lisboa – 1
PESSOAL


Ex.mo Senhor Joaquim Castro caldas
Rua da Lapa, XX_X
1200 Lisboa

Lisboa, 31 de Julho de 1987

Caro Senhor

Tenho a honra de acusar a recepção da carta de Vossa Senhoria, sem data mas com lata, na qual solicita subsídio que lhe permita morrer com pompa (e não troco os bb pelos pp) e circunstância.

De início interroguei-me sobre a questão de saber em qual dos quatro fins da Fundação Gulbenkian (artísticos, educacionais, científicos e caritativos) tal desiderato se poderia inscrever, mas rapidamente cheguei à conclusão de que em qualquer deles, ou em todos concomitantemente, se inscreveria.

Pensei então em pedir e aliás douto parecer da Agência Barata (se bem que intuitivamente e adivinhasse que ela qualificaria o orçamento apresentado de sumptuário), mas referi, antes disso, procurar nos nossos arquivos antecedentes pedidos para o mesmo fim e verifiquei sem surpresa que - dada a premente necessidade de reduzir as nossas despesas - todos os numerosos apoios financeiros requeridos para viagens alternativas para Inferno, Céu ou Purgatório foram invariavelmente negados e, como é óbvio, não me parece curial a criação de precedentes.

Nestes termos, sinto informar V. Ex.a que não é possível atender a solicitação que me dirigiu, ainda que lamente o consequente facto de ficar condenado a viver mais alguns anos. A não ser que – se me permitir uma sugestão – opte pela solução da corda, do gancho e do banquinho, solução que, por ser barata, poderá até ser apoiada pela Secretaria de Estado da Cultura. Ou ainda (porque não?) – e eis uma variante absolutamente gratuita – a solução do lago do Campo Grande, desde que obtida prévia autorização do Senhor Eng. Nuno Abecassis

Entretanto, sou de V. Ex.a
Atentamente até ao Outro Mundo
e muito mais depois,
Pedro Tamen

quinta-feira, janeiro 08, 2004

Comentário atrasado

Sobre os últimos acontecimentos referentes ao caso Casa Pia gostaria de dizer o seguinte: acho mal que o Presidente tenha falado sobre a carta anónima. Afinal tanto pedido de contenção e quando é preciso que o próprio se contenha, não o cumpre. O outro problema foi ter baseado a sua comunicação num pedido de contenção à comunicação social. O que significa isso?

A comunicação social se erra pode ser punida por isso. Só assim é possível em liberdade controlar o que quer que seja: primeiro falam, depois processa-se. Se tiverem mentido, pagam. As fugas de informação e o crime de quebra de segredo de justiça é que têm agora de ser investigados: quem os faz, com que objectivo etc. e disso o Presidente muito pouco ou nada falou. É que não me parece interessante e, sobretudo, não me parece útil concentramo-nos em quem é manipulado. Pelo contrário, descobrir e punir quem manipula e com que objectivo parece-me essencial. Mas atenção: isso não significa que acredite que existe alguma cabala. O que fica desde já comprovado é o facto de haver quebra de segredo de justiça.

Controlar a liberdade de expressão é contra os princípios da liberdade. Ou bem que há liberdade ou bem que não há. Não há meias liberdades, nem tão pouco existe liberdade para uns e para outros não. Quem infringe as leis (neste caso, quem difama) tem de ser punido pelo que diz e não impedido de falar.

Viver com a liberdade não é fácil. Ah, pois temos de aturar A e B que só dizem disparates e até escrevem no mesmo sítio (jornais, revistas televisões etc.) do que nós. Pois temos. Vão mais longe, são sensacionalistas, querem vender, não têm escrúpulos etc. Pois toca a levá-los para tribunal e pronto. Entretanto, temos felizmente os outros, os muitos que usam a liberdade para informar, para nos alertar e para nos lembrar de que o mundo livre é sempre, apesar de tudo o que é mau, um mundo muito melhor.

quarta-feira, janeiro 07, 2004

Lembram-se da minha promessa de apresentar aqui no bomba um artigo académico chatérrimo (passo a redundância) sobre as palavras blogue, blogosfera e blogueador, cuidadosamente elaborado e invent... errr... congeminado por duas linguistas de indiscutível reputação nacional? Pois. Ainda nada? É verdade. Estas coisas académicas demoram tempo a pensar e parece que as raparigas meteram um adiamento na secretaria. O que posso eu fazer? Continua prometido e um dia destes o dito artigo aparece aqui publicado. Tenham lá paciência.
O episódio de segunda-feira da série Six Feet Under, desculpem lá mas foi estranhíssimo. Gosto muito da série mas... veremos.
O paciente Ponto e a Vírgula Margarida dedicaram-me um post interactivo a quatro mãos que é uma categoria. A mim, não; ao bomba... a mim, ao bomba, a nós! Interrompendo o delírio, gostaria apenas de dizer que o critério de simpatia tem a ver com o sentido original da palavra, que é sin (ou sún) + pathos. Ou seja, com o mesmo pathos, com o mesmo... estado de paixão. Podem não ter lista de linques, podem ser pouco interactivos, mas reconheço-me muitas vezes no que escrevem e nisso até pode haver engano mas é divertido.

terça-feira, janeiro 06, 2004

"Na balança da Justiça, o prato da aprendizagem desce para os que sofreram. O futuro poderás conhecê-lo depois de acontecido. Entretanto esquece-o, dado que antecipá-lo é o mesmo que chorar antes de tempo." (Agamémnon, Ésquilo, ca. 458 a. C.)

domingo, janeiro 04, 2004

Ontem um amigo dizia-me que finalmente tinha experimentado a perda. Em muitos anos de vida tal não lhe tinha acontecido e isso evitara uma espécie de crescimento aparentemente inevitável. Com essa inesperada e inusitada perda chegou a tomada de consciência insuportável de que há situações irreversíveis. A convivência com a perda é um processo doloroso. É querer tapar um grande buraco quando sabemos que a terra nunca mais terá ali a mesma forma. Mas nada de dramas: um comprimido de Cipralex de manhã e meio Triticum meia hora antes de deitar para os dias serem curtos, meu querido.

sábado, janeiro 03, 2004

Epifanias humorísticas

- Quero uma pannacota.
- Há quanto tempo querias dizer isso?
- Já tinha decidido.
- Com que então uma pannacota?
- Uma pannacota.
- Ela já sabia.
- E estava só à espera de dizer.
- Uma pannacota, por favor.
- Com que então isso é assim, pannacota?
- Pois é.
- Estavas só à espera do senhor.
- Para dizer pannacota, para pedir.
- Uma pannacota.
Pergunta proibida do ano (repetição do ano passado): como vai a tese?
Lema para 2004: a post a day keeps the doctor away.

sexta-feira, janeiro 02, 2004

Brevíssima explicação do post anterior

A 10 de Dezembro de 1920, James Joyce escreve uma carta a Frank Bugden em que fala sobre o último capítulo do Ulysses: “I am going to leave the last word to Molly Bloom – the final episode Penelope being written through her thoughts and body Poldy being asleep.” (Selected Letters) Joyce finalizava a sua obra e decidira que a última palavra a teria Molly. A 16 de Agosto de 1921, Joyce volta a escrever a Frank Bugden revelando-lhe pormenores sobre o último capítulo, desta vez com o Ulysses terminado: “Penelope is the clou of the book. The first sentence contains 2500 words. There are eight sentences in the episode. It begins and ends with the female word yes. It turns like the huge earth ball slowly surely and evenly round and round spinning, its four cardinal points being the female breasts, arse, womb and cunt expressed by the words because, bottom (...), woman, yes. Though probably more obscene than any preceding episode, it seems to me to be perfectly sane full amoral fertilisable untrustworthy engaging shrewd limited prudent indifferent Weib.” (Selected Letters)

Na biografia de Joyce, Richard Ellmann conta-nos como o autor adquiriu o interesse pela técnica do monólogo interior. Joyce estava em Paris, em 1903: “On the way, he picked up at a railway kiosk a book by Édouard Dujardin, whom he knew to be a friend of George Moore. It was Les Lauriers Sont Coupés, and in later life, no matter how dilligently the critics worked to demonstrate that he had borrowed the interior monologue from Freud, Joyce always made it a point of honour that he had it from Dujardin.” (James Joyce, Richard Ellmann) De uma obra menor com uma “boa” ideia – um solilóquio em que o herói se encontra num processo autocriativo – Joyce escreve Ulysses.

A técnica do monólogo interior parece-me útil num processo de probabilidade de verdade. Isto porque, por vezes, desenvolvemos a mentira, sobretudo quando fazemos associações de ideias. Na escrita, o desenvolvimento de uma mentira tem muito interesse (os grandes clássicos o que são senão grandes e rotundas mentiradas?). E assim a vida difere da arte. No dia em que acharmos que não há diferença nenhuma, teremos de ser submetidos a um tratamento adequado. Até lá, vamos experimentando.

quinta-feira, janeiro 01, 2004

My Own Private Molly Bloom

a lata a perguntar-me se não tinha vergonha de ir para uma festa daquelas de aliança e eu sempre com as manias da boa educação não lhe perguntei se um jurássico como ele não tinha vergonha sequer de olhar para mim quanto mais dirigir-me a palavra sempre a sorrir lá me pirei dali e nem acredito que comecei o ano a fugir quase literalmente de uns franceses lá de uma aldeia gaulesa qualquer a tresandar a rocquefort é que nem no meio das bichas uma pessoa está à vontade nos bons velhos tempos é que era agora já ninguém é o que parece uma tristeza e o Carlos apareceu nesse momento e empurrou-me dali e a perguntar-lhes o que faziam em Portugal e os parolos a dizerem que tinham cá família e o Carlos a responder que se calhar estavam chateados porque não gostavam dos familiares portugueses e os palermas a pensar antes de responder! gotta hate 'em e a tocarem-me na mão esquerda com um desrespeito que me provocou uma reacção natural de os empurrar foi um empurrão ligeiro mas percebeu-se que foi um empurrão e largaram-me ufa sempre com as manias da boa educação mas empurrar não é má educação é instinto de sobrevivência como daquela vez em que me disseram as meninas de bem não dizem vermelho dizem encarnado e eu respondi pensava que mau mau era dizer caralhos mafodam mas pronto
Inquietação do dia: qualquer pessoa pode escrever uma carta anónima a dizer seja o que for e a falar seja de quem for e isso conta, assim sem mais nada, para um processo? (cf. Indignação, de Vital Moreira)
Cenas da vida conjugal

- Qual foi a tua canção favorita do ano passado, querido?
- Foi aquela: I'm still, I'm still Carlos from the block, used to have a little now I have a lot...
Adenda ao último post de 2003: claro que a selecção de preferidos é já feita da minha lista também de preferidos que se encontra aí ao lado. Bom ano a todos!

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